terça-feira, 22 de setembro de 2015

“Mas como é que se pode ajudar as pessoas só com conversa?”

"Mas como é que se pode ajudar as pessoas só com conversa?" perguntava a Joana, num tom mais curioso do que desconfiado.

 O modelo positivista de ciência foi, durante muito tempo, tempo demais, alimentando a ideia de que corpo e mente seriam duas entidades rigorosamente separadas ou, quando muito, com uma ligação de sentido único (em que o biológico determinava a experiência psicológica). A ser assim, claro que sintomas de ansiedade ou agitação psicomotora, sintomas obsessivos ou de impulsividade, depressivos ou de tonalidade mais narcísica, etc. etc. só poderiam decorrer de desequilíbrios biológicos (as mais das vezes contidos no código genético) que, por conseguinte, poderiam ser corrigidos, única e exclusivamente, com medicação. Chegou, mesmo, entre alguns setores da ciência, a ter-se a esperança de que os avanços notáveis no conhecimento do sistema nervoso seriam capazes de traduzir milimetricamente a subjetividade humana em circuitos neuronais e fórmulas bioquímicas. A ser assim, o anúncio do fim da Psicologia e das psicoterapias estaria, portanto, por poucos anos.
  Mas foram, curiosamente, os avanços notáveis nas neurociências que, ao mapearem muitos dos caminhos neuronais e bioquímicos da subjetividade humana, contribuíram decisivamente para a clarificação (que vem sendo reclamada pela Psicologia há muitas décadas) de que as relações humanas, especialmente as mais próximas e significativas, são fundamentais no desenvolvimento humano e na estruturação daquilo que são os aspetos mais saudáveis e mais doentes das pessoas. Foram, também, os avanços admiráveis nas neurociências que permitiram clarificar que mente e corpo são duas faces da mesma moeda, que comunicam e se constroem mútua e permanentemente. Não que o substrato biológico ou o código genético não sejam fundamentais. São, com toda a certeza. Mas, ao contrário da visão que parecia decorrer de um modelo positivista de ciência (radical em muitos aspetos), se excetuarmos os casos de doença genética (como a trissomia XXI, por exemplo), avolumam-se as evidências de que, em matéria de saúde mental, a sustentação biológica e o código genético estão longe de ser uma espécie de fatalidade: interagem e modificam-se com a experiência e com a relação.
  Nestas circunstâncias, a angustia, a ansiedade, a insegurança, o medo ou os sintomas depressivos, por exemplo, decorrerão, muitas das vezes, mais de equívocos e desencontros continuados na relação com os outros significativos e com a verdade do que se sente, ou de experiências mais ou menos traumáticas do que propriamente de desequilíbrios bioquímicos (que mais do que causa, serão, nesta aceção, o correlato biológico do sofrimento). É aqui que, a meu ver, entra a utilidade de diversos modelos e técnicas de acompanhamento psicológico. Não apenas como um espaço em que as pessoas são genuinamente ouvidas e escutadas, como porventura poderia pensar a Joana. Isso, diria ela (talvez com razão), não sendo pouco e muito menos fácil, poderá, com alguma sorte, ser encontrado, também, no seio de algumas relações amorosas ou junto de um ou outro grande amigo. Mas também (talvez o aspeto mais diferenciador), enquanto espaço criativo em que a pessoa vive “na pele” a experiência de haver alguém ao pé de quem é possível sentir, sem claudicar, as angústias de que vai procurando fugir, ao mesmo tempo que se compreendem, legendam e ligam com os aspetos essenciais da sua vida. Esta nova relação, ao desconstruir alguns aspetos dos padrões velhos (que, em grande medida, trouxeram a pessoa até ao ponto onde se encontra), funcionará, assim, como uma espécie de tubo de ensaio para uma relação mais clara e genuína com tudo aquilo que sente (pensando as emoções em vez de, continuadamente, as procurar silenciar). E, deste modo, como um treino protegido primeiro, e como uma prática generalizada às relações da “vida real” depois, tornando-as mais criativas, harmoniosas, assertivas e próximas.

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